Abril, águas mil!

Pois é, estamos nos últimos dias deste mês abril de 2020 e colhemos, além de muita chuva, muitas lições de vida!

Aqui na Espanha, há dois tipos de turismo na Semana Santa: o turismo de praia e o religioso. As férias da Semana Santa são o preludio do verão, então, quem tem casa na praia, foge para a costa, porém muitas pessoas preferem assistir procissões e ofícios religiosos. 

Neste mês de abril as procissões não saíram, e não foi por causa da chuva. 

Neste mês de abril, as famílias não foram pra praia, e não foi por causa da chuva. Cada um ficou na sua casa, guardando o distanciamento social exigido pelo governo espanhol para evitar o contágio do inimigo microscópico. 

Neste mês de abril, não tivemos férias de Semana Santa, tivemos o presente maravilhoso de pausa na vida frenética cotidiana. Aprendemos a desfrutar da companhia das pessoas que moram conosco.

Pais e mães voltaram a cuidar dos filhos, cozinharam em equipe verdadeiros pratos de Master Chef, brincaram e resgataram jogos de mesa. Curtiram uma verdadeira convivência, sem o corre-corre do dia a dia, conhecendo e afinando um pouco da personalidade de cada membro da família.

Os avós aprenderam novas tecnologias e as videoconferências são o meio para ver, abraçar e beijar virtualmente aos filhos e netos. Tivemos tempo para a introspecção e autoanálise. Tivemos tempo para modificar atitudes. Aprendemos a compaginar o teletrabalho com as aulas dos filhos, dando um giro de 180º em nossa vida, renascendo, assim a vida em família!

Neste mês de abril, nos uniu o pranto derramado ao saber a notícia da transformação de uma pista de patinagem sobre gelo em morgue. Nos uniu o estremecimento ao ouvir o número de falecimentos em alça dia após dia, até que começou a aproximar-se do ansiado pico.

Nos uniu a falta de aparelhos respiratórios que obrigou aos profissionais da Medicina a seguir o protocolo escolhendo entre os pacientes que tinham maior possibilidade de sobreviver com a ajuda do respirador artificial. Nos uniu a tristeza pela morte de um companheiro de trabalho, de um conhecido ou dos idosos em uma casa de repouso. 

Neste mês de abril, nos uniu a alegria do aplauso dos atendentes das UCI’s ao retirar o respirador artificial a um enfermo que melhorou. Nos uniu o aplauso a cada paciente que abandonou o hospital já curado. Nos uniu a sirene e a buzina diante da casa de alguém que fez aniversário.  Nos uniu a interpretação de música popular, do hino nacional espanhol, a criatividade de alguns que, na sua sacada apresentaram poesias e fragmentos de obras de teatro para distrair-se e aportar um pouco de entretenimento aos vizinhos. Nos uniu a velha conversa de janela a janela, já sabemos algo do vizinho e há rosto e nome em cada lar. 

Neste mês de abril, completamos mais de seis semanas de afastamento social. Cada um na sua casa, mas todos juntos, na mesma direção. Todos estamos mais sofridos e permitimos que a generosidade aflore. Valorizamos um sorriso, um cumprimento! 

Neste mês de abril, aprendemos que, se a poesia é a arte de criar mundos novos, o vírus é uma versão sarcástica da poesia pura. Quem poderia pensar que essas maravilhosas cidades vazias receberiam, inesperadamente, a visita da fauna nativa correndo e saltando ante os olhos surpreendidos da humanidade engaiolada semana após semana a causa de uma coisinha minúscula, microscópica? 

Neste mês de abril, aprendemos que, se a filosofia pretende arrancar-nos do mundo confuso das nossas crenças, das nossas ilusões e das nossas paixões, o vírus é filosofia pois nos ensina, com sua implacável e cruel pedagogia, que nada depende de nós e que somos apenas sobreviventes de um extermínio coletivo, que não possuímos nada, que apenas ocupamos um lugar no tempo e no espaço de um mundo que acreditávamos ser donos!

Neste mês de abril, nesta última semana, o governo aliviou a quarentena permitindo, desde o dia 26 a saída das crianças para um passeio, acompanhadas de um adulto, até a distância de 1km de sua casa. 

Neste mês de abril fiquei boquiaberta com a atitude das pessoas, saíram pra rua sem respeitar as regras estabelecidas. Esqueceram por completo o porquê de passarmos mais de seis semanas em casa!

Neste mês de abril, acreditei que a lição havia sido aprendida!

Neste mês de abril, acreditei que haviam compreendido que o realmente importante não se compra! 

Neste mês abril, acreditei que éramos mais compreensivos e muito mais comprometidos com o bem-estar de todos.

Neste mês de abril, acreditei que éramos mais sábios e gratos pelo “simples” fato de estarmos vivos! 


Regina Storniolo, 35 anos vivendo na Espanha.
Professora de Português e Membro da Atividades Brasileiras em Madrid

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