O primeiro peregrino da História, albergues que oferecem reserva on-line e outras peculiaridades da viagem rumo a Compostela
Por Adri Lima
Seguindo as setas amarelas que levam a Santiago de Compostela e à tumba do apóstolo Santiago— revela o norte da Península Ibérica através de paragens carregadas de história e beleza. Seja pelo Caminho do Norte, o Francês, o Português ou qualquer outra rota, a pé, de bicicleta ou a cavalo, o Caminho de Santiago é uma experiência única e enriquecedora.
Confira 10 curiosidades dessa aventura:
1. O traçado original
Era o ano 829, segundo a lenda. Um pastor encontra um estranho sepulcro num lugar remoto da Galícia. Informa ao bispo Teodomiro, que por sua vez se comunica com o rei Afonso II, o Casto, então governante de um pequeno reino cristão isolado entre as montanhas. O monarca decide ir pessoalmente ao lugar para comprovar a descoberta, que pode significar uma mudança drástica na situação de isolamento de seu reino. Reúne seu séquito e se envereda pela trilha que até então era o único caminho de Oviedo a Galícia. O trajeto passava por Grado, Cornellana, Salas e o porto do Palo até entrar na Galícia por A Fonsagrada. É o que agora chamamos de Caminho Primitivo e considerado, portanto, a mais antiga das rotas de peregrinação a Compostela.

2. Por que há tantos caminhos de Santiago?
Porque, desde a descoberta do suposto sepulcro do discípulo de Jesus na Galícia, cada viajante fez seu próprio caminho, da porta de sua casa até Compostela. Algumas rotas e vias foram se tornando mais populares e transitadas por diversos motivos (segurança, facilidade de abastecimento), mas nunca puderam usar com exclusividade o título de Caminho de Santiago. Em 1993, a Unesco incluiu o Caminho de Santiago na lista de patrimônios mundiais e, para colocar ordem no caos, decidiu conceder a distinção ao Caminho Francês, o mais transitado desde a Antiguidade. Hoje, ele continua sendo o mais frequentado. Em 2015, o título de patrimônio mundial foi estendido ao Caminho do Norte, com suas diferentes variantes.
3. Quem foi o primeiro peregrino?
Nunca saberemos, mas a História concedeu esse título a um tal Gotescalco, arcebispo de Le Puy, que partiu da Aquitânia no ano 950 acompanhado de uma grande comitiva. Aquela viagem deu impulso à grande corrente de peregrinos procedentes da França. Muitos séculos depois, em 1668, o príncipe italiano Cosme de Médicis empreenderia uma das primeiras jornadas de peregrinação turística documentadas. Acompanhado de 40 pessoas, ele visitou Santiago e seguiu por via marítima até as Ilhas Britânicas. Também existe um documento de 1312 que detalha como o francês Yves Lebreton cumpriu os requisitos de peregrinação em nome da condessa de Artois.
4. Apóstolo perdido, apóstolo reaparecido
Em 1558, temendo um ataque dos piratas ingleses comandados por Francis Drake contra a tumba do apóstolo, São Clemente, arcebispo de Compostela, escondeu a arca com os restos mortais do apóstolo. Ocultou-a tão bem que ela esteve perdida por mais de 300 anos. Reapareceu em 1878, durante as obras de reforma do altar da catedral realizadas pelo cardeal Payá e Rico, quando os trabalhadores perfuraram a abóbada oculta e encontraram os ossos de três homens. Em 1884, o papa Leão XIII respaldou quatro anos de trabalhos científicos com a bula Deus Omnipotens, reconhecendo que os restos encontrados eram efetivamente do apóstolo e de seus dois discípulos.

5. Organizar as etapas pela Internet
As novas tecnologias também provocaram uma mudança de hábito: agora os viajantes reservam alojamento pelo site Booking, mandam e-mails para pedir cama, conectam-se pelo Facebook para solicitar um lugar nos albergues… A sensação geral é que está tudo mais combinado, mais estudado, mais organizado. De fato, já existem sites que montam todo o pacote do Caminho para o turista: você diz quantos dias e quanto quer pagar, e os sites vão reservando os albergues para você.
6. A explosão dos albergues privados
Se algo nos últimos anos mudou a feição dos Caminhos, sobretudo o Francês, foi a proliferação de albergues privados. Ninguém quis perder a oportunidade. Qualquer casarão na beira da rota pode se transformar num desses albergues, hoje mais parecidos com os hostels de mochileiros de uma cidade europeia que com os tradicionais albergues existentes no Caminho há 10 anos. No município de Sarria (Lugo), trecho galego do Caminho Francês, existe por exemplo nada menos que 30 albergues (27 privados e três públicos). Sete deles ficam lado a lado na rua Maior.
7. Certificado de distância
A Compostela é o documento que certifica que a pessoa fez o Caminho por devotionis affectu, voti vel pietatis causa (por devoção, por voto ou por piedade). Trata-se de um pergaminho em latim emitido pelo Escritório do Peregrino de Santiago em nome da Igreja e que só é entregue a quem demonstrar, com a credencial de peregrino, ter concluído os 100 últimos quilômetros a pé ou a cavalo, ou os últimos 200 km de bicicleta.
8. Pão e vinho
Logo após a cidade de Ayegui, e pouco antes do mosteiro de Irache, em Navarra, encontra-se a famosa fonte do Vinho, construída por uma vinícola, a Bodegas Irache. Esse monumento recupera ao menos metade da oferenda tradicional oferecida pelos hospitaleiros na Idade Média, que nunca negavam aos peregrinos um pedaço de pão e um copo de vinho, na Espanha existe um ditado muito popular que se diz aos peregrinos: “De pão e vinho se faz o caminho”. A fonte do vinho de Irache tem inclusive uma webcam para mostrar, em tempo real, os peregrinos que nela repõem suas forças.
9. A ponte da Passagem Honrosa de Hospital de Órbigo
No século XV, as peregrinações de cavaleiros estavam na moda. Um de seus episódios mais famosos ocorreu em junho de 1434, ano jubilar, em que o nobre Suero de Quiñones, de León, decidiu desafiar a um combate de lança a todos os cavaleiros que desejassem cruzar esta a ponte de Hospital de Órbigo. Caso algum cavaleiro se negasse a participar, deveria entregar sua luva em sinal de covardia e atravessar o rio a pé. Suero queria honrar seu amor por sua dama dona Leonor de Tovar. Este torneio durou um mês e após esse suposto ato de valentia, conhecido como Passagem Honrosa, dom Suero e seus homens peregrinaram a Santiago.

10. Quem inventou as setas amarelas?
Durante o caminho as setas amarelas são as melhores amigas do peregrino, lograr seguir-las significa que você caminha da direção correta à Santiago. As setas amarelas que unificam os Caminhos de Santiago, e que se transformam em seu ícone mais universal, começam a ser pintadas na década de oitenta por Elias Valiña Sampedro, padre da vila O Cebreiro, primeira localidade galega do caminho Francês, que queria guiar aos peregrinos até a sua paroquia. Andrés Muñoz, presidente da Associação de Amigos do Caminho de Navarra, também dedicou boa parte da vida à melhoria e à conservação do Caminho Francês e da Via da Prata. Desde então, diversas associações de amigos do Caminho melhoram e mantém a sinalização em suas respectivas zonas de influência. Após o Caminho de Santiago ser reconhecido como Património da Humanidade pela UNESCO, os Caminhos de Santiago todos os seus símbolos e cores estão unificados, de tal forma que qualquer peregrino familiarizado ou não com o caminho, possa guiar-se sem problemas em qualquer uma das rotas elegidas.
E ai já conhece o caminho de Santiago de Compostela? Vale muito a pena! É uma experiência enriquecedora tanto cultural como espiritual.